Pondera, Pandora, como se isto fosse um diário

Pondera, Pandora, como se trabalhasse para rever-se, inteira, neste diário

Um ou dois aforismos
Não sei explicar o motivo, mas sempre ouvi com um misto de curiosidade e desconfiança as pessoas que gostam de dar opinão introduzida mais ou menos assim: "como diz o poeta" ou "e como disse o outro". Apesar disso, coleciono alguns aforismos, cujos autores eu prefiro indicar a deixar no ar.

Teixeira de Pascoaes, por exemplo, tinha uns fantásticos: "Amar é dar à luz o amor, personagem transcendente"; "Só os olhos das árvores vêem a esperança que passa"; "Existir não é pensar; é ser lembrado"; "A indiferença que cerca o homem demonstra a sua qualidade de estrangeiro"; "Vivemos como num estado de transmigração para a nossa fotografia".

Ele viveu em Amarante! Pena que não se respire o mesmo ar nos dias de hoje...

O aforismo dele de que eu mais gosto, no entanto, entre os que saíram publicados pela Assírio & Alvim, traz o seguinte:

"A seara não pertence a quem a semeia, pertence ao bicho que a rouba e come".

Sendo homem da terra, do chão, dos cheiros da natureza, muito embora culto, eu só posso concordar. Para um espírito muito suave - a não ser quando sente-se desafiado -, esse tipo de sabedoria condensada é sem dúvida ensinamento.


sexta-feira, 4 de novembro de 2011

O pouco que deduzi sobre estar em família, por ter ido à praia neste último verão

Sei mais do que sabia durante a minha infância, ponto nº 1!

Minhas idas à praia antes dos 10 eram plenas, mas nunca tinham feito com que eu me visse responsável, só me fizeram associar mar a risco e a força, sob a proteção paterna.

É que quando se tem filhos e vontade de pensar na construção de uma família, muita coisa etérea ganha consistência e é posta à prova. E este foi o meu primeiro verão acompanhada do meu filho único.

Logo à saída de casa, a arrumação do carro, que merece um pequeno parêntesis: sem experiência de ter ido à praia de transporte público uma vez sequer, fico sem saber um minúsculo traço que seja das famílias que não têm carro… É pena. Vêm à cabeça recortes meio confusos de programas humorísticos da televisão, no estilo A grande família, da Globo, mas sei lá eu se eles são ou não são paródias da realidade...
Enfim, o que se pode levar no carro? Dá para explorar umas tantas questões corriqueiras se respondermos a essa pergunta:
Alguém interfere no volume de bagagem de cada membro da família?
Quem organiza a bagagem no porta-malas? Há sempre um com mais jeito. Ou com mais calma.
Será o de mais autoridade o que acomoda os pertences?
Aliás, comida, roupa e objetos úteis e menos úteis vão soltos, vão ao colo, vão misturados?
Quem senta aonde, excluídas aquelas condições que dispensam comentário (bebês, nas cadeirinhas apropriadas; pessoas de idade, no banco da frente, para entrarem e saírem do carro com mais comodidade)?
Quem abre o vidro e quem pede que o aparelho de ar condicionado seja ligado?
Quem reclama mais vezes do trajeto e da entonação das conversas?

Já na areia, é preciso pôr o guarda-sol em posição, estender toalhas, proteger a bolsa da comida e, então, proteger-se do sol. Nisto tudo, são solidárias as pessoas que saem juntas a passear no verão? Falam, por exemplo, num tom amigável para dividir tarefas que interessam a todos ou apenas para tagarelar? Sabem ver-se em traje de banho sem rir ou sem dar de ombros para as inseguranças alheias? Corpo é sempre corpo e viver em época da mais indisfarçada pressão mediática para ter o corpo perfeito não é brincadeira!

O principal, pelo menos na minha modesta opinião, no meio de tanta manobra familiar para aproveitar o dia – e a companhia: como é que se vai à água? Ou, se o gosto for outro, quem caminha ao lado de quem na areia fofa da praia?

Para manter a coerência relativamente aos outros textos que tenho postado, fica a partir daqui um esboço de reflexão, uma miniatura. Em que não está incluída a minha participação verdadeira, o meu depoimento, por assim dizer, mas só os meus cálculos mentais, que podem estar cheios de pressuposições.

Lembro-me agora de apontar que é engraçado, quando moramos fora do nosso lugar de origem, o tanto que a paisagem sugere ou mesmo orienta os comportamentos para um hábito ou outro.
No Brasil, país onde nasci e onde estive a viver até os 32 completos, o verde de um estado como São Paulo, que pouca propaganda faz das suas praias se comparado a outros estados, é exuberante. A beleza é convidativa e por isso as pessoas costumam estar para lá e para cá, fazendo quilómetros na areia, até se a praia for uma barra e pouco mais.
A água nunca desagrada pela temperatura, mas arrisco dizer que muita gente no Brasil vai à praia sem ir à água, porque a exposição ao sol vale a pena, os petiscos distraem, ouve-se muita música, bebe-se muito muito mesmo - e isso sequer combina com natação. O clima geral de exibição não torna indispensável mergulhar, relaxar os músculos, olhar o céu, sentir as ondas a nos erguerem e a nos colocarem de volta à altura original and so on.

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