Pondera, Pandora, como se isto fosse um diário

Pondera, Pandora, como se trabalhasse para rever-se, inteira, neste diário

Um ou dois aforismos
Não sei explicar o motivo, mas sempre ouvi com um misto de curiosidade e desconfiança as pessoas que gostam de dar opinão introduzida mais ou menos assim: "como diz o poeta" ou "e como disse o outro". Apesar disso, coleciono alguns aforismos, cujos autores eu prefiro indicar a deixar no ar.

Teixeira de Pascoaes, por exemplo, tinha uns fantásticos: "Amar é dar à luz o amor, personagem transcendente"; "Só os olhos das árvores vêem a esperança que passa"; "Existir não é pensar; é ser lembrado"; "A indiferença que cerca o homem demonstra a sua qualidade de estrangeiro"; "Vivemos como num estado de transmigração para a nossa fotografia".

Ele viveu em Amarante! Pena que não se respire o mesmo ar nos dias de hoje...

O aforismo dele de que eu mais gosto, no entanto, entre os que saíram publicados pela Assírio & Alvim, traz o seguinte:

"A seara não pertence a quem a semeia, pertence ao bicho que a rouba e come".

Sendo homem da terra, do chão, dos cheiros da natureza, muito embora culto, eu só posso concordar. Para um espírito muito suave - a não ser quando sente-se desafiado -, esse tipo de sabedoria condensada é sem dúvida ensinamento.


quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

"Feels like maybe things will be all right"

Vou a Guimarães de 15 em 15 dias.

Para quem nunca esteve em Portugal, ou para quem não pretende consultar um mapa, eu explico brevemente.

Guimarães é uma cidade do Norte do país. É antiga, dizem que lá nasceu o 1º Rei de Portugal, D. Afonso Henriques, em 1179. É  bonita, não é grande nem pequena (tinha 160.000 habitantes, segundo cálculos feitos em 2008), tem escolas de ensino superior e algumas boas instituições ligadas à cultura.

Vi no site da Câmara Municipal de Guimarães que a temperatura desta segunda-feira, 19 de dezembro de 2011, rondou os 4 graus Celsius. Nessa época do ano, a temperatura costuma cair de repente, mas deve ter andado perto disso quando saí de lá, por volta das 19h30 de anteontem.

Minha volta para casa depois de duas reuniões de trabalho não teve ciência, mas teve o seu ritual.

Entrei no carro, que deixo em segurança num parque/bolsão de estacionamento público a 2 minutos da escola, e liguei o aparelho de som assim que dei a partida.

Tenho um pen drive para inserir no aparelho, com umas 60 músicas. Quando preparei minha coletânea, dei preferências às músicas que não tenho em cd, às que lembro por causa de meia dúzia de palavras e às mais dançantes. Mas nada muito claro, nada intencional.

Considero que as músicas tornam-se parte da rotina, à medida que eu as ouço. Ouço e sinto como elas se encaixam no contexto. Elas, desse modo, me ajudam a fazer a digestão dos acontecimentos. Por isso eu as escolho sem pensar muito e deixo as ideias assentarem.

Por exemplo. Para sair de casa a caminho do trabalho, me habituei a deixar que a lista de músicas corra da 1ª em diante, porque providencialmente ficou em 1º lugar uma batida que me anima. São só 45 minutos de autoestrada/estrada, no meu caso, mas a mudança de paisagem e de ares faz-se notar. Daí que eu goste de combustível para a travessia.

Pelo caminho, começo a sentir que o horizonte se alarga, concreta e metaforicamente. Amarante está num vale, com suas subidas e descidas, o caminho até Guimarães tem mais largueza; em Amarante estou dentro de casa, em Guimarães vou entrar em ação. A ação do dia a dia da casa é mais previsível. E eu já não sei se lido bem com a regularidade... 

Enfim, começo o caminho entre Amarante e Guimarães com "Scenario", de um grupo norte-americano chamado A Tribe Called Quest:



Parece que foi há pouco tempo, mas eu tinha 17 quando escutei a música pela 1ª vez. Já vivi o dobro desse tempo e mais um pouco...

Eu assistia MTV depois de vir da escola. Naquele ano também fui apresentada a um VJ, o Paulo, amigo dum amigo, e ele não acreditou que eu ouvisse aquele tipo de música... enquanto estudava. Tínhamos falado no Jimi Hendrix, também, pois eu havia ganhado uma cassete de um outro amigo. E eu ouvia, sim, não sei por que, mas ouvia enquanto estudava Biologia.

Quando era noite, eu ouvia aquelas músicas todas (do Tribe Called Quest, do The De La Soul, do Jimi Hendrix), e me perguntava se era mesmo tão difícil ter um grupo, ter uma aspiração de grupo, ter um raio dum programa à noite em São Paulo. Eu inclusive já sabia que vivia numa cidade perigosa, mas era adolescente e não tinha assim tanto receio de assalto.

Porque não estudei numa escola em que eu tivesse um grupo que saía à noite, que viajava, que se permitia ouvir qualquer música ou comentário pouco intelectualizado, ou melhor, que não fosse sofisticado. Gosto de sofisticação e gosto de excentricidade, mas não é uma marca, não é um imperativo. Já percebi que a liberdade de gostar vale o que vale, o sofisticado vale o que vale, o popular vale o que vale etc. Tudo tem sua hora.

Eu não acompanhava um grupo. Geralmente, até os 18, ou estava em casa ou saía à noite com pessoas que não estudavam na mesma escola que eu. Fui a umas festas da escola, a uma ou outra viagem, ganhei cassetes com Gershwin, com Marisa Monte, com Gilberto Gil, com Jorge Benjor, com o Premê! Ótimas todas... de "Refazenda" a "Umbabarauma", passando pela "Marcha da Kombi".

Mas nunca convidei qualquer um daqueles colegas-autores-de-cassetes para ver o Paulinho da Viola comigo, para dançar Ce Ce Peniston comigo, para falar dos Carpenters... Aos concertos/shows do Paulinho eu ia muitas vezes. Ia quando ele se apresentava nos parques, nas praças, nas casas de espetáculo. Tenho até fotografia com ele! Fui desde os 14 anos... E nunca, nem uma palavra sobre ele eu disse aos meus colegas de escola.

Eu sambava. Isso os colegas de classe viam. Um deles, aquele dos aniversários com bolo de damasco que reviveram em outro post,  batucava e para mim esse era um gesto perfeitamente encaixado, dentro do contexto... A paga para a minha simplicidade.

Pois na minha escola, se havia festa durante o horário escolar, um tocava "Summertime" ao piano e cantava em alemão! Era bonito, era lindo mesmo. Mas a cidade era São Paulo, nós éramos adolescentes. Seria tão difícil assim dançar, simplesmente? Onde é que nós andávamos com a cabeça?

Bom, por causa do Facebook tenho falado um pouco com alguns desses colegas, mas não temos unanimidade quanto ao perfil que nos trouxe até aqui!

Eu por cá encerro as lembranças com os Carpenters.

Tive discos de vinil da dupla e não deixei de gostar deles, tenho voltado de Guimarães a tentar cantar com a Karen.

Há músicas que me lembram tempos de algum isolamento e isso não chega a ser especial, é muito comum, aliás.

Estava eu a pensar na falta que um grupo de amigos faz, aos 18, já Karen Carpenter tinha falecido, aos 32, com anorexia e bulimia, mal compreendida pelo ex-marido.

Estou eu a lamentar a falta de pares em Amarante - como lamentava em São Paulo - e isso continua a ser vulgar. Há problemas mais graves, embora, por outro lado, existam características que nos acompanham por menos tempo.

No meu caso, acho que me vou acostumando a não dançar em público as músicas de que gosto. Será isso mesmo?

Vejo tantos ex-alunos no Facebook a postarem fotografias de saídas aparentemente divertidas e fico contente por eles. Preferia, no entanto, ver as tais fotografias, vibrar com elas, e ter mais do que o blog para compartilhar.

Os gestos importam, os passos importam, a expressão do rosto importa. Mas tenho uma ideia para a prática: espero a volta de uma amiga que, já sei, também gosta de dançar e de cantar, sem preconceitos, e vou propor que a gente experimente uns passos. Não sei por que, pensei em forró. Deve ser porque minha amiga já morou em Fortaleza. Deve ser Alceu Valença, que foi parar ao pen drive com duas músicas, "Coração bobo" e outra até mais conhecida, de que não sei o nome...

De volta aos Carpenters, a única música dos dois irmãos que eu coloquei no meu pen drive por enquanto foi "Only yesterday", pois sem dúvida eu acho que "Feels like maybe things will be all right":




After long enough of being alone 

Everyone must face their share of loneliness 
In my own time nobody knew 
The pain I was goin' through 
And waitin' was all my heart could do 

Hope was all I had until you came 
Maybe you can't see how much you mean to me 
You were the dawn breaking the night 
The promise of morning light 
Feeling the world surrounding me 
When I hold you 

(*) Baby, Baby 
Feels like maybe things will be all right 
Baby, Baby 
Your love's made me 
Free as a song singin' forever 

(**) Only yesterday when I was sad 
And I was lonely 
You showed me the way to leave 
The past and all its tears behind me 
Tomorrow may be even brighter than today 
Since I threw my sadness away 

Only Yesterday 

I have found my home here in your arms 
Nowhere else on earth I'd really rather be 
Life waits for us 
Share it with me 
The best is about to be 
So much is left for us to see 
When I hold you 

4 comentários:

  1. Interessante o texto, confesso que me surpreendi ao descobrir que vc ouvia rap...rs O samba eu já sabia, mas o rap foi novidade.

    Eu tenho uma relação estranha com a música, basicamente com a música pop. Tenho fases de ouvir determinadas canções por muito tempo e ai elas acabam virando posts no meu blog. Tenho fases de odiar determinadas canções. Eu gosto de dissecar as canções e sempre entender porque elas me tocam, não consigo apenas ouvir, ela precisa me fazer algum sentido, mesmo que eu não entenda porcaria nenhuma da letra, como ocorre em muitos casos.
    Gostei do que li aqui.

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  2. Tive uma fase de rap, sim. Ainda ouço alguns e tenho saudade de figuras como o MC Hammer. Lembra dele? "U can´t touch this". Parece uma personagem desenhada! E Naught by Nature, você conheceu? Eu lembro de "OPP"... Tinha também uma outra que o Pato Banton cantava, "Go Pato", não era rap, mas era dançante, e eu cheguei a pegar nas discotecas. São divertidas. Public Enemy eu também acrescentei ao pen drive, mas soa agressiva demais hoje, ouço poucas vezes.

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  3. "The past and all its tears behind me
    Tomorrow may be even brighter than today"

    ...que sejas feliz no novo ano, quase quase a começar.Gosto do texto, gosto de ti :)

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  4. Começamos assim, então, com o pé direito do hoje e do amanhã?!
    Salve seja! Está bem dito, Vanita?
    Obrigada pelos votos, obrigada por ler. Gosto de ti, minha amiga.

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