Pondera, Pandora, como se isto fosse um diário

Pondera, Pandora, como se trabalhasse para rever-se, inteira, neste diário

Um ou dois aforismos
Não sei explicar o motivo, mas sempre ouvi com um misto de curiosidade e desconfiança as pessoas que gostam de dar opinão introduzida mais ou menos assim: "como diz o poeta" ou "e como disse o outro". Apesar disso, coleciono alguns aforismos, cujos autores eu prefiro indicar a deixar no ar.

Teixeira de Pascoaes, por exemplo, tinha uns fantásticos: "Amar é dar à luz o amor, personagem transcendente"; "Só os olhos das árvores vêem a esperança que passa"; "Existir não é pensar; é ser lembrado"; "A indiferença que cerca o homem demonstra a sua qualidade de estrangeiro"; "Vivemos como num estado de transmigração para a nossa fotografia".

Ele viveu em Amarante! Pena que não se respire o mesmo ar nos dias de hoje...

O aforismo dele de que eu mais gosto, no entanto, entre os que saíram publicados pela Assírio & Alvim, traz o seguinte:

"A seara não pertence a quem a semeia, pertence ao bicho que a rouba e come".

Sendo homem da terra, do chão, dos cheiros da natureza, muito embora culto, eu só posso concordar. Para um espírito muito suave - a não ser quando sente-se desafiado -, esse tipo de sabedoria condensada é sem dúvida ensinamento.


sábado, 29 de dezembro de 2012

O coração é um cérebro?


Porto, Portugal, 14 de dezembro de 2012. Lá se vão alguns dias desde que o Espaço t - Associação para Apoio à Integração Social e Comunitária, encerrou as atividades do seu sétimo congresso internacional.

A participação de palestrantes e público em torno do tema da felicidade oscilava do pueril reconhecido com algum embaraço à declarada defesa dos infelizes (prostitutas e também homens e mulheres com muita preguiça para os rituais que envolvem a construção de uma história de amor).

Era a segunda e última mesa-redonda da tarde e os esforços estavam concentrados no entendimento das relações entre amor, felicidade e sexo, por isso os discursos rondarem a esfera dos que vendem afeto e dos que querem comprá-lo a preços mais baixos, na prateleira do cibersexo, por exemplo.

De um dos lados da mediadora, a jornalista Conceição Queiroz, estavam uma socióloga e um sociólogo, do outro, um psiquiatra e um linguista. Todos os cinco haviam sido convidados para sentar em poltronas aveludadas, cada uma em uma cor e um desenho próprios.

As idades também eram distintas entre os membros do grupo, como distintas foram as opções de apresentação. A socióloga Inês Fontinha fez-se entender a partir de conceitos que são a base do trabalho dela com mulheres prostituídas, como o de “problema social”; o psiquiatra António Pacheco Palha também buscou definições, depois de recusar resposta a uma pergunta que considerou fora de foco, mas a atenção dele – e a nossa, é claro - recaiu sobre as definições de dicionário e os resultados de pesquisas internacionais; o sociólogo Telmo Fernandes se apegou a fotografias, duas delas muito interessantes, pois nelas está Kathrine Switzer, a 1ª mulher a oficialmente correr uma maratona, e homens que, no decorrer da prova de Boston, em 1967, ou apoiaram-na ou tentaram impedir que ela chegasse à meta; o linguista Pedro Chagas Freitas levantou-se para ler uma espécie de manifesto, que falava em insegurança e na consequente resignação com qualquer coisa que se aproxima da felicidade, mas que é apenas subfelicidade.



Certo é que todos eles apontaram caminhos, entre a margem que a incerteza e o riso permitem.

Em seguida a essas quatro abordagens, ainda houve tempo para que viesse ao encontro do público um senhor espanhol de nome José Maria Dória, com uma apresentação intitulada “Un mundo feliz”.

De acordo com essa última perspectiva (que antecedeu apenas dois discursos interessantes, mas protocolares), a felicidade é um estado de consciência, é a tão comentada espiritualidade, a que acedemos quando superamos sensações de carência.

Já antes eu, parte da plateia, tinha ouvido discursos semelhantes a esse, que ouço quase como instruções acerca de como admitir dor sem gerar sofrimento e por aí afora, mas esbarrei naquele dia em algumas coordenadas que fizeram eco, e já conto o porquê.

Mais do que qualquer outra informação ou reflexão anteriormente posta à mesa, guardei mais fundo a ideia de que o coração sabe, sente, intui, adianta-se, responde, toma decisões e pode, por isso tudo, ser a nossa esperança de integração, de unidade, uma vez que a razão não nos tem conduzido a bom porto. A mensagem foi diretamente para o título dessa minha cronicazinha, justamente.

Se medo e amor estão em compartimentos conectados, como afirmou o orador, dentro do sistema que se ensina na escola, lá atrás na nossa educação formal, sob o nome de “vasos comunicantes”, que conclusões são possíveis? Ai de quem nunca aprende a parar de alimentar o tanque do medo, pois estará sempre a interferir na pressão sobre o amor? Será essa uma dedução correta? Não sei dizer. Qual será a densidade do medo? Qual será a do amor? Misturam-se? Como caminham para o equilíbrio? Bom, entendo mal uma coisas dessas, embora tenha tido, em casa, um pai que falava vezes sem conta nos vasos comunicantes e em como se aplicam a muito da nossa vida prática.

Penso e com esse pensamento concluo, que o amor precisa de combustíveis, nem que seja uma dose de medo, mas antes de tudo precisa de ar, que é o mesmo que tempo, que amadurecimento ou, por outro lado, é o mesmo que inocência. Só a inocência permite alguns começos, as pessoas inocentes é que podem dar início a determinadas histórias, porque não a relacionam a traumas, a preconceitos, a dores de amores… Pessoas crescidas, no entanto, sabem o que é a ternura, valorizam-na. Em diferentes estágios de desenvolvimento, enfim, o coração e a inteligência dele podiam ser motores para um salto maior, um desenvolvimento de toda e qualquer fase do homem; o coração poderia apontar em que direção está a confluência, a coincidência, a encruzilhada com a qual saímos todos ganhando e por isso mesmo, felizes. O coração, consultado no momento a seguir às separações matrimoniais e ao reconhecimento de que estamos endividados, por exemplo, devia nos dar alento suficiente para mudanças de rumo, para recomeços em outras rotas, com novos hábitos, novos olhares, ou com os amores de que nos afastamos. Quem gosta de você? Onde está quem gosta de você?






2 comentários:

  1. Parabéns, o blog está bem movimentado e com temas diversificados!

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  2. Que bom ter a sua capacidade de observação a trabalhar também para este blog, Zé! Sempre que quiser e puder, escreva, vamos vendo se os diálogos nos levam mais longe.

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