Em idade escolar, e principalmente
numa cultura de respeito às regras, “dar erros”, conforme diz-se em Portugal, causa
algum constrangimento.
Mas, se é do Acordo Ortográfico que
se trata, esse respeito às regras pode significar, ao mesmo tempo, conforto e desconforto.
Por um lado, alunos em tenra idade
aprendem que é preciso aceitar regras. Os que hoje cursam a terceira série do
ensino obrigatório, por exemplo, fizeram o aprendizado de português, até este
momento, atendendo às regras do Acordo. Pode ser que tenham ouvido falar em
polêmica, mas desconhecem as regras anteriores ao Acordo e escrevem como têm
aprendido.
Por outro lado, alunos mais velhos e
seus professores fazem coro para dizer que as regras do Acordo estão a ser
impostas. Como alegam professores na pequena cidade de Amarante, em Gondomar,
mais próxima do Porto, ou ainda em Guimarães, a simples imposição deveria ter
sido evitada, quer ela seja fruto da presunção da elite, quer venha da ação mal
planejada dos políticos.
Alunos do ensino superior português,
no contexto das universidades particulares, mostram uma postura um pouco
diferente. A orientação que lhes é dada aponta para o respeito ao Acordo porém,
na prática, seus professores parecem preferir que eles continuem a escrever
como faziam antes da mudança, na medida em que toleram trabalhos académicos
escritos com as antigas grafias.
De modo geral, no entanto,
professores e alunos portugueses têm passado a escrever em consonância com as
prescrições do mais recente acordo da língua portuguesa, mesmo admitindo que o
processo de adaptação faria mais sentido, caso os fundamentos das mudanças
tivessem sido expostos com clareza à população.
No que toca à adaptação dos próprios
professores, não é difícil perceber a incoerência com que são confrontados
pois, em muitos agrupamentos escolares, as sessões de esclarecimento foram
dirigidas exclusivamente aos professores de língua materna, deixando de fora os
responsáveis pelo ensino de todas as outras disciplinas escolares.
Dos manuais escolares, os quais devem
acompanhar os alunos por pelo menos quatro anos consecutivos, não se notam
tantas queixas, porque já estão preparados conforme o Acordo.
Nos livros editados e vendidos no
país, o usual é que a ficha técnica contenha a informação acerca do posicionamento
quanto ao Acordo Ortográfico, e este tem sido respeitado, em geral; a recusa em
publicar conforme as novas regras, que é exceção, acontece ou por imperativo do
autor ou, mais raramente, do tradutor.
Durante o ano de 2012, nas grandes
livrarias, a venda de pequenas apostilas com a indicação das principais
mudanças que o Acordo trouxe à norma linguística tem sido reconhecida, pelos
vendedores, como mais expressiva do que a venda de materiais mais densos sobre o
assunto. Lúcia Vaz Pedro, autora de uma dessas apostilas, também assina uma
coluna semanal no Jornal de Notícias, intitulada “Português atual” – já com
a nova grafia -, o que evidencia que Portugal, mesmo sem investir em grandes
campanhas de divulgação do Acordo, tem resguardado algum canal de exposição e
debate do tema. A autora recebe numerosas mensagens de leitores a reclamar do
Acordo, ainda que os argumentos apresentados resvalem para o que em
terminologia técnica se pode chamar hipercorreção, isto é, a busca de um uso
mais correto do que a norma.
Para além do JN, outros jornais de circulação nacional também aderiram. Alguns o
fizeram em 2009, outros em 201o. Assim procederam igualmente as emissoras de
televisão (a RTP, Rádio e Televisão de Portugal, aderiu em 2011) e a maioria
dos partidos políticos, ao elaborarem material de interesse público.
Respeito, conforto, desconforto, um
pouco de relaxamento e manifestações mais político-ideológicas do que
razoáveis, enfim, compõem um panorama que fica mais claro quando lembramos como
estão aturdidos os cidadãos portugueses. O crescente desemprego e a falta de
identificação de muitos portugueses com a autoridade indicam que enquanto a
crise financeira na Europa falar mais alto, será apenas lamentável que o debate
ligado à língua e ao Acordo Ortográfico não chegue a preocupar. Existem
preocupações que dispensam alerta, eles sentem em casa, na rua, na própria pele
e o Acordo, por ora, mantém-se sem a aprovação consciente dos falantes.
Betina Ruiz
O melhor é que os do ensino superior empreendam, com afinco, a gradual mudança.
ResponderEliminarE professores de toda atuação devem ser exímios usuários dessa unificada gramática.
É representativa a adesão dos meios de comunicação. Mas o que vejo é uma extensa produção escrita que atende sequer à qualificação normativa elementar - há ainda um longo percurso até a consciência à aproximação que o Acordo propõe!
Realmente, Renato, os jornais estão cheios de pequenos erros gramaticais. E, agora que cumpre fazer a adaptação ao novo padrão da língua, temos que contar com esses falantes do português para o salto. Mas acho que pode funcionar, sim. Há muita gente disposta a ler inclusive os textos longos dos jornais. Vejo isso quando amigos meus jornalistas chamam atenção, no Facebook, para trabalhos de colegas deles. Vamos torcendo, vamos lendo, relendo, recomendando e metendo a colher!
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