Estava quase igual ao Walter Mitty visto de fora ou de longe.
Era sexta à noite e eu brigava com a impressão de ter pouca história pessoal para contar.
Saí de casa, então. Fui ao cinema e a impressão se transformou, como tinha de ser, pois nem eu havia perdido a capacidade de discernir sobre a minha própria trajetória, nem a personagem Walter Mitty era uma figurinha patética, como faziam crer seus colegas menos chegados, até determinada parte do filme.
Walter era pacato, sonhava demais e não se impunha, mas já havia feito muito pelo lugar onde trabalhava, pela qualidade na comunicação com o grande público, pelo trabalho de um artista em particular.
Ele fazia o tratamento das fotografias que a revista Life tinha de publicar e, por desempenhar bem essa função e também por andar a imaginar mil cenários com uma colega interessante, é que pôde se atrever em aventuras.
Para quem gosta de revistas e das formas que elas encontram para sobreviver às mudanças sociais, penso que há um filme à parte, começando pelas capas que são atribuídas à Life, e que no fundo são elas próprias, também, fruto de ficção.
Bom, os lugares que aparecem na tela/ecrã de cinema, na sequência da decisão da personagem de partir e descobrir, são estonteantes. E a forma como ele se locomove nesses lugares, idem.
As músicas que o inspiram, começando por David Bowie, uau! "Ground control to Major Tom (...)/This is Major Tom to ground control/I'm stepping through the door/And I'm floating in the most peculiar way ".
Lugares e músicas resultam na seguinte sensação: você está lá, perto de um oásis, prestes a fazer contato, testemunhar que existe um mundo vasto, pontuado de pequenas coisas que não é preciso tocar. Foi este último recado que me fez estar de acordo com o ponto de vista do filme enquanto eu o via, porque suponho que o recado já estivesse em mim, pronto para ser repetido: chega uma hora em que não é urgente - nem muito menos obrigatório - fotografar uma cena muito bonita, por exemplo. Basta observá-la. Muita calma em nós, muito silêncio e, quando o momento mágico para o espírito passar, dá até para mudar completamente de rumo e jogar bola na areia, se quiser.
Para mim, há um prazer especial em que esse toque seja dado pela personagem do Sean Penn, a propósito de um felino que se esconde feito um fantasma, uma aparição.
No mais, tem Ben Stiller na direção e como ator, embora numa postura bem diferente da que o faz famoso; tem um retrato de família muito amoroso, e as conhecidas caricaturas dos grupos (neste caso, somos convidados a rir dos superiores hierárquicos do protagonista, cheios de tiques, de estilo que é da moda e é mau, vazios de perguntas e de espaço para sonhar).
Fiquei com vontade de ler o texto que inspirou o filme. Será que o encontro? O site da Life tem qualquer coisa que nos aproxima do texto, que nos convida à pesquisa, pelo menos. http://life.time.com/culture/james-thurber-photos-of-the-man-who-invented-walter-mitty/?iid=lf%7Cmostpop#1