Pondera, Pandora, como se isto fosse um diário

Pondera, Pandora, como se trabalhasse para rever-se, inteira, neste diário

Um ou dois aforismos
Não sei explicar o motivo, mas sempre ouvi com um misto de curiosidade e desconfiança as pessoas que gostam de dar opinão introduzida mais ou menos assim: "como diz o poeta" ou "e como disse o outro". Apesar disso, coleciono alguns aforismos, cujos autores eu prefiro indicar a deixar no ar.

Teixeira de Pascoaes, por exemplo, tinha uns fantásticos: "Amar é dar à luz o amor, personagem transcendente"; "Só os olhos das árvores vêem a esperança que passa"; "Existir não é pensar; é ser lembrado"; "A indiferença que cerca o homem demonstra a sua qualidade de estrangeiro"; "Vivemos como num estado de transmigração para a nossa fotografia".

Ele viveu em Amarante! Pena que não se respire o mesmo ar nos dias de hoje...

O aforismo dele de que eu mais gosto, no entanto, entre os que saíram publicados pela Assírio & Alvim, traz o seguinte:

"A seara não pertence a quem a semeia, pertence ao bicho que a rouba e come".

Sendo homem da terra, do chão, dos cheiros da natureza, muito embora culto, eu só posso concordar. Para um espírito muito suave - a não ser quando sente-se desafiado -, esse tipo de sabedoria condensada é sem dúvida ensinamento.


terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Livrarias e cidades



António Pinto Ribeiro respondendo à pergunta

 

"Qual é a melhor maneira de entrar numa cidade? As livrarias que aparecem no fim?",

 

da jornalista Lucinda Canelas, feita para a revista Ípsilon, em 15.12.2011:


As livrarias são um grande indicador da massa crítica que existe numa cidade. Se há filosofia e ensaio, se os autores são actuais... Mas aquilo que eu gosto é de andar pelo meio das pessoas. Gosto de estar num café, no metro. Há uma chave importante, fulcral - ter amigos nessa cidade, eles são importantíssimos para a encontrar.


Na mesma entrevista, ele já havia dito que:

Há um filósofo alemão, pensador e historiador chamado Aby Warburg, que enlouqueceu, que usava um método fantástico para construir a sua biblioteca - dizia que cada livro chama um livro novo para seu vizinho. O que acontece é que a sua biblioteca era ilegível para a maior parte das pessoas. Mas a correlação [entre os livros] existia. O que acontece comigo é isto: há problemas que chamam outros problemas, artes que chamam artes, livros que pedem outros livros. Como não sou dogmático, tenho-me deixado ir por esse tipo de atracção dos livros vizinhos.


E, ainda:

Em Portugal temos um problema muito concreto de países periféricos: não há um público intermédio porque não há uma classe média curiosa, com
 uma cultura geral interessante. E isto interfere na programação e nos públicos que para ela estão disponíveis. 


O panorama cultural de São Paulo, meu outro ponto de apoio para imaginar, eu não consigo resumir muito bem neste momento...

Livrarias não faltam, disso tenho a certeza, embora não saiba colocar as coisas em termos de proporção, isto é, embora não saiba dizer quantas livrarias há por habitante! E isso sem considerar as distâncias que um cidadão tem de percorrer, se mora na freguesia/bairro X ou Y para chegar a uma dessas livrarias! São Paulo tem muitos obstáculos.

Classe média não falta em São Paulo. Se ela anda mais interessante do que a portuguesa, não sei. Eu há tempos fiz parte dela, mas não me sentia exatamente feliz com isso... Aqui, sinto-me no entanto um autêntico peixe fora d’água. Sou definitivamente classe média, em termos de poder aquisitivo, mas nunca vi qualquer outro morador da cidade em que vivo a vibrar com a ideia da abertura de uma livraria entre nós. Isso soa um bocado estranho, podem ter a certeza. 

Leitura de textos não vinga por aqui. Já tentei por iniciativa minha, já estive presente a prestigiar a iniciativa de outros... Só lembranças! Guardei uma foto. De uma amiga a acompanhar a leitura de um poema escrito por nossa antiga professora de Yoga. Estávamos na mesma confeitaria onde aconteceu o único encontro do grupo de leitura de Doris Lessing, ideia minha e de umas amigas (as donas da confeitaria).

Resta viajar um pouco, o que não me desagrada de jeito algum! Guimarães, Porto (onde acontecem umas intervenções de rua muito engraçadas, da parte de uma apaixonada por Clarice Lispector, por exemplo). Lisboa já está mais longe...

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