O samba é relativamente recente e o sambista, dos bons.
O sambista atende pelo nome de Paulinho da Viola, conhecido dos brasileiros.
Ao samba, Paulinho chamou "Bebadosamba", e eu fui buscar a primeira frase para o título deste post.
Ela faz as vezes de contraponto a um pensamento caro: faz de conta que alguém fala em voz alta e verbaliza uma lembrança, recorda uma referência que é uma pérola (de ironia), como ele próprio explica: "Um mestre do verso, de olhar destemido, disse uma vez, com certa ironia, se lágrima fosse de pedra, eu choraria".
Durante uns tempos eu ouvia essa música e pensava na lágrima de pedra como uma aberração, um exagero de mau gosto, estranhamente colocado numa música tão boa de ouvir.
Não vale a pena ser maniqueísta... o mau, o bom... em quantas situações é difícil separar um do outro, a não ser quando se atinge um limite pessoal, penso eu.
Por que seria de mau gosto sugerir um choro que dói mais do que o comum?
Por que a boa música tem que ser impoluta, livre de beliscões?
Eu ouvia a música e desenhava o contorno de pequenos cubos a irromperem, a caírem do canto do olho, não em linha mas projetados para a frente do rosto. Ao ver esses cubos no ar, a expressão no rosto de quem já chorava outro desconsolo ficava mais triste!
O sofrimento me parecia multiplicado, brotava das palavras do sambista como algo duro de ouvir e surgia no desenho como um horror...
Quando se lê certos livros, compostos com extremos de grotesco, por exemplo, as imagens sugeridas por palavras ou ilustradas de verdade devem ser levadas a sério. É o caso de A Metamorfose, do Kafka, que o leitor concebe melhor se aceitar que Gregor Samsa acordou um dia transformado num inseto repugnante. Não é uma suposição nem uma metáfora, é a vida dele e ponto.
A vida, dizem os livros e as letras de música, tem dessas ciladas. É algo que livros e músicas nos podem ensinar, se quisermos viver com a realidade. E se formos do tipo que acredita em transcendência. A transcendência passa a fazer mais sentido, se soubermos o que ultrapassar.
Ao final da letra do samba, para quem é observador, está lá:
...
serve,
antes de tudo,
para aliviar o peso das palavras,
que ninguém é de pedra"
Claro que as lágrimas são para todos.
O homem comum nem pensa se chora a lágrima comum ou não. Ele apenas chora.
Homem que se quer de pedra, brinca ao dizer que chora lágrima de pedra.
Mas todo mundo chora a lágrima possível, a lágrima do tamanho da sua dor.
Claro está, ou claro fica.
Nada é perfeito, é tudo muito real, é tudo feito de pedra.
Sem comentários:
Enviar um comentário